Durante este mês de março estive bastante ocupado a fazer desdobramentos e planeamentos, não tendo tido oportunidade de descansar tanto quanto gostaria. Frequentemente estive com a cabeça cheia de decisões e por isso dormi pouco acordando várias vezes de madrugada, a escrevinhar e a programar o trabalho.
Como tardavam os desdobramentos das colmeias, estas divisões de enxames que nos permitem aumentar o número de colmeias sem termos que comprar mais abelhas, adquiri rainhas para tornar este aumento mais célere. Caso contrário, teria tido muito mais trabalho se tivesse apenas deixado nas patas das obreiras a decisão de fazerem alvéolos reais para criar descendência dentro das colmeias. Pois é verdade! Sabem que a rainha apenas goza do título nobiliárquico? Dentro da colmeia, são as obreiras que tomam decisões. Mas isto ficará para outra conversa.
Desenvolvi dez enxames, cada um na sua colmeia, por falta de caixas vazias de núcleo, ocupados ainda com desdobramentos lentos e alguns em situação muito complicada, dado o estado em que vinham as rainhas de Oliveira de Azeméis.
Quando desenvolvemos enxames pequenos, com poucas abelhas, devemos fazê-lo em caixas núcleo (caixas pequenas, apenas com cinco quadros, as colmeias por seu lado, têm 10 quadros), porque damos mais aconchego a um enxame pequeno. Mas na falta destes núcleos, por estarem ainda ocupados, tive que recorrer a colmeias.
Escolhi-as cuidadosamente, porque nem todas são iguais, tive ainda que me lembrar que estas colmeias são de transporte e vão para outro apiário, mas vão com bilhete de regresso. Quer isto dizer que são colmeias que voltarão ao apiário de origem, daqui a 4 semanas. Na verdade, não temos colmeias de transporte e colmeias fixas, o que define isso, acaba por ser a régua de entrada da colmeia. Sem buracos adicionais, para que as abelhas durante o transporte não possam sair, em trânsito, podendo provocar algum acidente.
Depois de preparar a colmeia, temos que garantir a sua estanquidade total, em insectos. Quer seja na tampa de agasalho, que não pode escorregar quer seja na régua de entrada, que deverá estar colocada no modo de transporte, permitindo a ventilação da colmeia, evitando a sua asfixia.
Conto com a preciosa ajuda de um carrinho de mão, peça fundamental em qualquer Quinta, e que permite diminuir o peso das colmeias nos meus braços. Apesar de o terreno ser plano, entre o portão e o apiário, a distância é o meu maior obstáculo e ao mesmo tempo um mal necessário, pois garante a liberdade e segurança das pessoas que por ali circulam. Duzentos metros separam o portão das colmeias e é impensável fazer este trajecto sem o uso de transporte auxiliar.
Num dia de muito sol, ao final da manhã, quando a temperatura do dia atingia quase o seu ponto mais alto, sentia o suor a escorregar-me pelas costas, debaixo daquela burca branca. No largo sem saída, para onde convergem as portas e portões das Quintas e Quintinhas, há um ecoponto e dois contentores do lixo. Desde que ali cheguei, que tenho o hábito de estacionar a viatura, entre um destes depósitos grandes e uma boca-de-incêndio ladeado por um muro amarelado. A essa hora o meu carro cria naturalmente uma faixa de sombra fresca.
Quando levei a primeira colmeia para junto do carro, resolvi depositá-la na sombra criada pela viatura, já que teria que levar mais três para ali. Pareceu-me o melhor local para permanecer sem estar a esturricar ao sol. É que uma colmeia fechada, em transporte, com muitas abelhas e má ventilação, poderá facilmente transformar-se num túmulo real colectivo. Por esta razão, deixei-a no melhor local, à sombra fresca que a viatura formava.
Fui carregar a segunda, de volta à Quinta, carregar no carro de mão e voltar ao largo. Teria que fazer este percurso várias vezes. Quando saí o portão, verifiquei com espanto, que estava um senhor entre a colmeia e o muro da Quinta, a observa-la, quando desviou rapidamente o olhar na minha direcção. Olhámo-nos por aquela fracção de segundo que antecede qualquer comentário. Percebi imediatamente o que aquele velhote estava a verificar e em tom de graça, dirigindo-me para ele, com mais uma colmeia no carrinho de mão, mas desta vez, já com a cabeça destapada e com um sorriso na cara, criou-se espaço para um breve diálogo improvisado, pois não tinha notado a sua chegada e disse-lhe amigavelmente:
- Não abra isso! Está cheio de abelhas...
Respondeu-me,
- É para o lixo?
De facto, a proximidade da colmeia com o contentor do lixo era a mesma que a distância entre ela e a bagageira do meu carro.
Enquanto aquele senhor, deveria estar a pensar em recuperar aquela caixa de abelhas do lixo, eu estaria a pensar em proteger as abelhas do calor. Tanto ele como eu tivemos naquele momento, legitimidade de defender o nosso pensamento.
O desfecho desta situação só não foi diferente, porque regressei com mais material para junto daquele local. Caso contrário, acredito que num largo como aquele, sem qualquer movimento, aquela colmeia teria desaparecido dali, tão misteriosamente como aquele senhor, apareceu.
- Não! Estou a transferir colmeias, disse-lhe.
No mesmo instante, enquanto depositei mais uma colmeia na sombra, posicionada junto da primeira, dei meia volta para ir buscar a terceira e o senhor desaparecera, tão rápido que nem dei por ele. Rápido a ponto de me confundir se de facto aquela conversa teria mesmo existido ou se teria sido imaginação provocada pelo sol ou pelo cansaço do meu corpo.
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